duvido dos meus contornos da largura do meu pulso do tamanho dos meus braços da área das minhas coxas de como ocupo a cama me espalho pela casa e pareço refletida no espelho do banheiro
o desaparecimento parece inevitável uma mulher escondida se dilui em seus pertences e se aproxima cada vez mais de uma coberta felpuda e confortável
Colagem analógica por Thaís Campolina — Acervo Pessoal
ninguém queimou livro nenhum rasgaram alguns poucos eram sobre direitos humanos e foi na surdina no silêncio no conforto de uma biblioteca
os livros ocupavam sua morada prateleira de direito provavelmente em ordem alfabética para serem desordenados pelo leitor que não respeita as regras e devolve para prateleira o que lê na mesa
dessa vez a desordem que veio não foi um grifo ansioso feito por uma lapiseira foram páginas e mais páginas rasgadas inclusive a que tinha uma foto que dizia⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⠀⠀ ⠀⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀ditadura ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⠀⠀ ⠀nunca mais
Colagem analógica triplicada e editada no Canva por Thaís Campolina — Acervo Pessoal
à toa e preocupada exploro minha casa como se fossem vivos os móveis e as paredes
um demônio me provoca ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⠀⠀ ⠀ ⠀e eu respondo oi entregando que estou perto da janela da cozinha cinco segundos depois curiosa e ávida por um pão olho direto para o inferno esperando a vertigem desse sumidouro
a oxigenação do cérebro continua a mesma a pulsação também meus cotovelos dobrados esbarram na toalha de mesa me fazendo sentir na pele o carinho de um mundo de farelos esquecidos
nessa voragem não há tontura nem taquicardia eu sei que estou onde deveria estar
usando bons binóculos frente ao espelho do banheiro consigo olhar de volta e me ver a qualquer tempo caçando no escuro mais alimento
o abismo sou eu e ai de mim se não continuar a nadar
Acervo pessoal — “Paraquedas” — colagem analógica feita por mim
elas são trepidantes vibram com o movimento nada retilíneo nem uniforme do ar e da saliva nas cordas vocais
em um estalo da língua elas se espatifam no bafo produzindo um barulho baixo médio alto altíssimo dependendo da vizinhança nem os cães com seus ouvidos biônicos sensíveis a qualquer mini-estrondo conseguem escutar
elas saem da boca como se fossem cogumelos cuspidos pulando de finquete numa piscina metade cheia metade vazia
depois do pulo quem manda é atmosfera ela pode destroçar um bom paraquedas derramando pedaços pela casa inteira ou fazer planar uma maçã contra a gravidade
leitora, escritora e curiosa. autora de “eu investigo qualquer coisa sem registro” e “Maria Eduarda não precisa de uma tábua ouija” https://thaisescreve.com